Sobre doação de amor
As expressões que traduzem atitudes, fatos e tudo mais no cotidiano das pessoas vão sendo modificadas com o passar do tempo. Expressões que foram usadas por nossos avós já não são usadas hoje. É assim mesmo. Até mesmo as expressões mudam. Assim como a forma de entender e tratar os animais, que vem mudando pra melhor graças à conscientização das pessoas e muito mais graças ao que hoje conhecemos como “protetores independentes. O que significa essa expressão? É sobre pessoas que independentemente de estarem ligadas a alguma ONG de proteção animal ou a algum órgão governamental específico para isso (que cumpra realmente o seu papel), acolhem animais em situação de abandono, resgatam de maus tratos, socorrem por atropelamento, tratam e encaminham para novos ou únicos lares. Isso nem sempre é possível e muitos vão ficando na casa de quem o acolheu da primeira vez. Esses são os protetores independentes que fazem isso simplesmente porque amam animais e não suportam vê-los sofrer em qualquer dessas situações. Quanto ganham para fazer esse difícil trabalho? Ou quanto pagam para fazer esse difícil trabalho? Pagam. Pedem ajuda, fazem o que podem. Mas tiram o animal do sofrimento. Essa é a história da nutricionista Nádia Maria Mazeto, cujo trabalho remunerado é o de assessoria e consultoria na área de manipulação e fabricação de alimentos em uma rede de supermercados de Uberaba-MG.
“Um dia um senhor me disse que o pior dinheiro gasto é com bicho e por que eu não gastava MEU dinheiro com criança e idosos? Perguntei a ele de quantas crianças e idosos ele cuidava e não obtive resposta.”
Marcos Moreno- Sei que você é uma protetora independente de animais. A pergunta é inevitável: por quê e como começou a fazer esse trabalho voluntário?
Nádia Mazeto– Sempre gostei muito de animais, desde menina me encantavam, mas não tinha autonomia, principalmente financeira para cuidados.
Não me considero uma protetora de animais visto q não sou vegetariana, mais uma grande simpatizante da causa animal.
Há quase 9 anos eu resgatei 3 gatinhos recém nascidos que corriam risco de vida. Não tinha experiência com resgates e muito menos com recém nascidos. Liguei para a Denise da Supra Ong e ela me orientou como fazer e disponibilizou as feirinhas de adoção para leva los quando eles já pudessem comer. Doei dois e adotei um, que morreu a pouco tempo.
A partir daí passei a ter curiosidade sobre Proteção Animal e comecei a ajudar nas feiras de adoção.
Às vezes dou um freio nós resgates, mas nunca parei de ajudar.
Marcos– Sua formação acadêmica é em nutrição. Já pensou em trabalhar com nutrição para animais?
Nádia- A Nutrição humana difere bastante da animal, e eu teria que começar uma outra formação acadêmica. Apesar de saber muito sobre os alimentos e suas propriedades não sei sobre diagestibilidade meio de absorção desses alimentos nas mais variadas espécies de animais existentes.
Mas, sou muito curiosa, e já li muito sobre alimentação animal e tenho um pouquinho de conhecimento.
Já fiz “papas” milagrosas para animais e ajudei na cura de muitos com elas.
Marcos- Profissionalmente, qual é o seu trabalho?
Nádia- Sou formada em Nutrição e me especializei na Área de Controle de Qualidade na Indústria de Alimentos. Gosto bastante dessa área.
Faço check list de limpeza e organização, Manual de Boas Práticas das Empresas, Treinamento com colaboradores quanto a higiene pessoal e do ambiente de trabalho. Rotulagem nutricional de diversos grupos de alimentos. Controle de qualidade dos alimentos fabricados e vendidos.
Essa área é um leque e dá pra trabalhar muito.
Marcos– Você tem algum incentivo por parte da empresa que trabalha para fazer seu trabalho voluntário?
Nádia- Não tenho.
Marcos– Em seu trabalho voluntário de resgate, você tem apoio e/ou ajuda de parentes ou amigos?
Nádia- Eu já resgatei uma média de 300 animais, vários destinados a adoção, alguns morreram e outros ficaram comigo.
Quando vejo que sairá do meu controle financeiro eu peço ajuda nas redes sociais, com vaquinha ou fazendo rifas. Mas sempre tenho que completar os valores. Hoje em dia está bem mais difícil obter ajuda e imagino que seja pela crise financeira que estamos vivendo.
Agora quem mais me ajuda é a Paula e Dra Juliana Meireles da Clínica Acaochego, levo os meus animais e resgatados lá há 9 anos e sempre me ajudaram muito, sem elas acho que não teria conseguido fazer a metade que faço.
Marcos– Você tem um critério de seleção de animais para fazer o resgate; só gatos, só cachorros, por exemplo?
Nádia- Eu resgato o que tiver precisando. Tenho preferência por gatos, mais já resgatei inúmeros cães, tartarugas, gambás, mico que foi eletrocutado aqui perto de casa, pombas e pássaros.
Eu ando muito pela Cidade a trabalho e vejo centenas de cães abandonados, não dá pra acolher todos infelizmente. As vezes volto pra casa frustrada por não poder acolher.
Gatos durante o dia quase não se vê, aí o problema fica mascarado por que são animais que saem mais a noite em busca de alimentos. Aí quando percebe já possui colônia grandes desses felinos.
Marcos– Qual animal é mais difícil de ser resgatado?
Nádia- Entre cães e gatos os gatos são mais difíceis para resgate.
Não por ser arisco, mas por serem desconfiados. Cães têm os dentes para você tomar cuidado e ter atenção. Gatos têm os dentes e as garras que são bastante afiadas, além da sua agilidade em escapar.
Gatos demoram um pouco mais para ter confiança e se já sofreram maus tratos então pode levar dias ou até meses para confiar nos humanos.
Agora os cães são bem mais tranquilos, salvo algumas exceções.
Marcos– Você já sofreu algum tipo de acidente nesses resgates?
Nádia- Uma mordida aqui, outra ali, nada sério.
Marcos- Você deve colecionar histórias emocionantes no seu trabalho voluntário. Pode contar uma que tenha te marcado muito?
Nádia– Tenho sim, são muitas mesmo. Tem uma que cheguei a ficar uma semana chorando.
Uma dia passei numa rua aqui do bairro onde moro e vi um cachorro extremamente magro, eu não pude parar por que estava atrasada para um trabalho. Fiquei passando na porta que eu havia visto ele por dias e depois de uns 10 dias eu o vi novamente. Parei o carro e bati nas portas da vizinhança e soube que era de um rapaz de um ferro velho desativado. Bati no portão e veio o rapaz e três cães. Esse magro que se chama Mário, uma Pretinha que estava prenha na época e uma que se Chamava Branca, meio mestiça de labrador.
Conversei com ele sobre o Mário e ele falou que não tinha condições de tratar e que alimento ele buscava sopa as vezes para eles no centro espírita. Pedi pra tirar fotos e autorização para divulgar o caso para levá-los ao veterinário e ver se ganhava rações para eles.
Consegui ajuda e levei os três para a Dra Juliana. Fizeram exames e todos os três estavam com erliquiose, ou seja, doença do carrapato. A Pretinha prenha ficou, a veterinária e teve que fazer cesária por que havia um filhote já morto. Essa Pretinha uma outra protetora deu Lar temporário. O Mário e a Branca voltaram para o ferro velho. Tentamos fazer um canil para o Mário por que ele tinha cinomose, mais descobrimos que o ferro velho era uma fachada para venda de drogas e deixamos pra lá.
Passei a ir duas vezes por dia até o portão dar alimentos e as medicações. Fazia uma papa de fígado, cenoura, beterraba e couve pra misturar na ração. Ficaram bem e gordinhos.
Todos os dias quando ia alimentar e medicar a Branca queria muito entrar no carro, choramingava. Eu pedia ela para o rapaz e ele negava dizendo que “a Branca é minha vida, dou não”.
Eu achava que a Branca era castrada por causa de uma história que ele e os vizinhos me contavam, mas um dia a Branca ficou prenha.
O rapaz foi até minha casa dizendo que ela estava soltando um líquido preto pela vulva e chorando a dois dias sem parar. No outro dia levei à veterinária e os filhotes já estavam mortos.
A tarde a Dra Juliana me ligou dizendo da cirurgia e que não deveríamos devolver a Branca por que ela era estuprada.
Fiquei extremamente arrasada.
Lembrava dos seus olhos e choramingos pedindo Socorro quando ia levar os alimentos e medicamentos. Chorei mais de uma semana.
Infelizmente a Branca morreu e eu não pude denunciar por que não tinha prova que era ele o estuprador.
Também tem a História da Maria, minha doce Maria. Mas essa eu adotei e vive feliz na minha casa. Foi abandonada aqui na minha rua e deu todas as doenças possíveis.
Passou frio, fome, sede, estava com diarreia, tinha vermes, deu anemia, erliquiose e cinomose. Tentei cuidar na rua mas não teve jeito, coloquei pra dentro.
Quando levei à Clínica Veterinária tinha que colocar um nome e veio Maria, por que fizemos uma reunião no grupo de casais católicos ao qual participo que falamos das 7 dores de Maria e só vinha esse nome na minha cabeça.
Foi piorando, parou de andar, colocava fralda, ficou 3 dias sem comer.
Peguei no colo e disse a ela com as lágrimas rolando no meu rosto “Maria, pode descansar, eu sei que você não suporta mais essa vidinha sua, eu vou ficar triste por que estou lutando pra você viver, mas não vou te prender nesse mundo se você não quiser”, ela olhou nos meus olhos e ficamos ali abraçadas por um tempo.
No outro dia Maria começou a comer, começou a se arrastar, de repente a andar cambaleando e hoje vive com sequelas da Cinomose mais vive bem e feliz. Ela é meu xodó.
Marcos– Você tem algum projeto que gostaria de realizar para a causa animal?
Nádia– Gostaria muito de continuar um projeto que fizemos a um tempo atrás de castração de gatos de colônias, acumuladores e pessoas carentes. Os gatos não são muito vistos ainda como animais que precisam de cuidados e atenção. Muitos acham que os gatos “se viram” e isso não é verdade. Nós domesticamos os gatos, eles são dóceis e dependentes como qualquer outro animal. Precisam de comida e abrigo, precisam de vermífugos e vacina. As gatas entram no cio a cada 3 meses, então são 4 ninhadas anuais. Imagina se cada ninhada der 5 filhotes?
Paramos o projeto por questões pessoais de alguns do grupo, mas é um sonho voltar a fazer esse trabalho. Castramos mais de 200 felinos na época, foi um grande feito na causa animal.
Marcos– Na sua opinião, por quê existe tantas diferenças entre protetores independentes de animais?
Nádia- Acredito que muitos querem ajudar, alguns tem prioridades diferentes um do outro, às vezes não têm tempo e dinheiro suficiente, alguns realmente querem o bem estar animal outros trabalham pelo ego.
Muitos abandonam a causa. Quantas pessoas vi lutarem pelos animais e hoje se esconde e não quer mais esse rótulo de protetora.
Pensamos que vamos salvar os animais e ficamos frustrados com tanta coisa ruim que acontece. As pessoas passam a te ver como alguém que “pega bicho na rua” e passa seu endereço e telefone pra todo mundo. Todos querem que você recolha animal das ruas e até mesmo o animal que ela não quer mais.
Todos deveriam ter respeito pelo que o outro acha importante fazer ou participar. Alguns podem resgatar e dar lar temporário, outros podem ajudar financeiramente, mas “protetor” tem mania de achar e julgar que o que o outro faz é sempre muito pouco e as vezes ele está movendo “um mundo” para conseguir fazer aquele pouco que os outros acham mas que pra ele é muito.
No meu caso tenho família, casa e trabalho, não vivo por conta de resgatar animais e fora o financeiro que fica bastante comprometido.
Então a grande questão é o respeito às diversidades na causa, respeitar o que cada protetor pode fazer e se não faz bem pode ser por falta de conhecimento por que ninguém nasce protetor, você se torna.
A diferença está no que cada um pode fazer e se não puder tudo bem também.
Marcos– Pode deixar uma mensagem para os seguidores do blog?
Nádia – A minha mensagem é que cada um faça o que seu coração mandar.
Faça o que puder e quando puder, mas nunca deixe de fazer por qualquer vida que é depende de cuidados e carinho.
Um dia um senhor me disse que “o pior dinheiro gasto é com bicho e por que eu não gastava MEU dinheiro com criança e idosos?” Perguntei a ele quantas crianças e idosos ele cuidava e não obtive resposta. Quando é assim não ajuda nada mas gostam de falar como você deve ajudar. Não ligue pra isso, faça o que seu coração mandar.
Faça, de coração, mas faça algo, se quiser fazer por uma criança faça por ela, se for por um idoso, faça com carinho também, e se for por um animal você também estará fazendo um grande feito por que todas as vidas valem a pena.
Os animais foram criados pelo mesmo Deus que nos criou, eu creio. Então devemos ter respeito a toda criatura divina.
Se não puder resgatar, ajude quem possa.
Se não puder alimentar, ajude quem alimenta.
Coloque água, custa pouco.
Divulgue e peça ajuda se o animal tiver correndo risco de vida.
Não maltrate.
Denuncie.
Se você não tiver dinheiro mas tiver amor doe. Só o amor salva!
Uma Resposta
Nádia vc merece,, linda entrevista, pena que nessa cidade somos a minoria, pessoas com muito dinheiro que não ajuda com nada, sou anti social porque não aguento ir nos lugares e ser apedrejada por Lutar tanto por eles, mais não podemos desistir ….Parabéns , matéria linda….que Deus te abençoe Nádia