Autora: Camilli Chamone
Já ouviu falar na mostarda de Dijon? Há quem diga que se trata de uma preciosidade gastronômica, embora a minha opinião seja diametralmente oposta. De qualquer forma, não é essa iguaria que inspira este texto – mas, sim, o lugar de sua origem: a cidade de Dijon.
Estive lá, no começo desse ano, e descobri que, naquele lugar, uma coruja simpática é a nossa melhor guia turística local!
A cidade possui vinte e duas placas de bronze, cravadas no chão, entalhadas com o desenho dessa ave, que você deve ir perseguindo – assim como João e Maria seguiam as migalhas de pão -, para ser guiado a conhecer seus pontos históricos e construções medievais.
Percorri tudo e finalizei meu caminho na rue de la chouette (rua da coruja, em português), diante da Catedral de Notre Dame. Na lateral do imponente edifício, uma coruja está entalhada na parede de pedra – e reza a lenda que passar a mão sobre ela traz sorte e realização de desejos.
Agora, peço que você, estimado leitor, imagine o que fiz ao avistar a fila para acariciá-la na parede…
Se respondeu “enfrentou a fila”, acertou! Óbvio.
“Vai que funciona?” – apesar de cética, por que não dar essa chance à sorte, certo? Certo! Mesmo sendo devota fervorosa à ciência, não posso perder a esperança nos milagres.
E me mantive firme, por 30 minutos ali, debaixo de uma garoinha fria, aguardando as pessoas mimarem demoradamente o bichinho na parede, fazerem o sinal da cruz e tirarem fotos para eternizar o momento. Mais pessoas se juntaram, atrás de mim, na fileira, esperando o momento delas.
Chegou minha vez. Eu já estava com vários pedidos na cabeça (alguns nobres, outros nem tanto), mas, diante da coruja, minha mente divagou para outros espaços. Percebi que a ave, esculpida no imponente paredão de granito rústico, do século treze, estava limpa e polida. Lisinha e brilhante, apesar da pedra no seu entorno estar áspera, rugosa.
Essa coruja é lustrada diariamente, por centenas de diferentes mãos – pensei.
Abri um sorriso! Lembrei-me imediatamente do que repito incansavelmente aos meus alunos, que buscam minha orientação, na intenção de tratar os mais diversos e complicados tipos de problemas comportamentais de seus cães.
Oh, céus! Perdão pela gafe, interessado leitor! Esqueci de me apresentar. Sou Camilli Chamone e trabalho com reabilitação comportamental de cães, usando uma metodologia exclusiva, isenta de punições.
E voltando aos meus alunos e à coruja polida: repito incansavelmente que não existem transformações mágicas. O super poder de fazer, todos os dias, um pouquinho da mesma coisa, opera “milagres”, aparentemente, inalcançáveis.
Acredito que, se alguém afirmar a você que é possível polir uma pedra de granito, usando apenas a palma das mãos, certamente, a sua resposta enfática será: IMPOSSÍVEL!
Mas, a coruja de Dijon nos mostra o contrário. Acariciar a pedra todos os dias transformou o impensável em exequível. Sem o uso de violência. Com paciência, persistência e consistência.
Excusez-moi, madame! Avez-vous fait votre demande à la chouette? – uma francesa impaciente tocou o meu ombro, querendo saber se eu já havia feito os meus pedidos.
Não tinha feito e não fiz. Apenas tirei o celular do bolso e bati uma foto. Não pedi nada, mas vi o milagre na minha frente.
Querer mais que isso seria heresia