Historicamente considerado um “hippie medieval”, Francisco largou a boa vida para dedicar-se aos pobres depois de ter ouvido o chamado de Deus. Popular, diplomático e fiel aos seus preceitos, ele escapou de ir para a fogueira e tornou-se um dos santos mais queridos da Igreja Católica, cuja data é celebrada nesta sexta-feira, 4 de outubro.
Francisco era João
Em julho de 1182 veio ao mundo aquele que se tornaria um dos santos mais populares do catolicismo, na cidade italiana de Assis. Em italiano, seu nome era Giovanni, que, se fosse traduzido para o português, seria João. O nome foi escolhido pela mãe, que era devota de São João Batista. Porém, o sucesso do pai, o nobre mercante de tecidos, Pietro Bernardone, se devia em grande parte ao fato de ter feito fortuna nos comércios da França e, por isso, acabou rebatizando o filho como Francesco (forma de se referir a “francês”, em italiano)
Até receber o chamado, Francisco usufruía e muito dos bens materiais proporcionados pela riqueza do pai. De acordo com biografia histórica escrita por Tomás de Celano, era um jovem fanfarrão, que não gostava de estudar ou trabalhar, se comportava como um verdadeiro playboy da Idade Média, adorava a vida mundana, era apaixonado por roupas caras e da moda, bebia sem moderação e usava linguagem chula, além de ter modos vulgares.
Prisioneiro de guerra
Prisioneiro de guerra Ainda na juventude, Francisco entrou para o exército e participou de duas guerras. Na segunda, juntou-se aos guerreiros de Assis para ajudar os moradores da cidade de Perugia em um conflito. Quase todos os seus companheiros foram mortos, mas o futuro religioso sobreviveu e foi feito prisioneiro por um ano. Durante esse período, acabou contraindo malária e tuberculose, mas se recuperou e foi libertado após a intervenção do pai. Ele bem que tentou retornar para a luta, juntando-se à cavalaria de Assis, mas voltou a ter uma recaída por conta da malária e precisou desistir da ideia
O chamado
Durante o período na prisão, segundo Tomás de Celano, Francisco passou a fazer reflexões e, após a liberdade, teve “surtos” de caridade, que o fizeram, inclusive, doar tecidos da empresa de sua família aos pobres, além de vender alguns a preços muito baixos para obter dinheiro para doações e restaurações de igrejinhas. Em 1182, ouviu o chamado de Deus, que lhe falou de um crucifixo, na igreja de São Damião, enquanto orava. Ao contrário de outros santos e do próprio Jesus, Francisco escreveu muito ao longo de sua história e deixou diversos relatos, por isso, é mais fácil entender sua trajetória de conversão. Em um deles, intitulado “Testamento”, revela: “O Senhor concedeu a mim, irmão Francisco, que começasse a fazer penitência. Assim, quando eu vivia no pecado parecia-me muito amargo ver os leprosos, e o próprio Senhor conduziu-me entre eles e fui misericordioso”
Nu com a mão no bolso
Acusado pelo pai de roubo, após vender tecidos do comércio da família, Francisco acabou preso no porão de casa, de onde foi salvo pela mãe. Ele, então, foi buscar ajuda em uma igreja, sendo perseguido pelo pai. Sem pensar duas vezes, retirou a roupa que vestia e entregou-a a Pietro, renunciando também à herança. Decidido a seguir na vida religiosa, ele prosseguiu em sua jornada. Segundo as crônicas medievais, ao abrir, aleatoriamente, por três vezes, as páginas do Evangelho, Francisco se deparou com versos que falavam sobre a caridade. Isso fez com que ele decidisse, não por uma visão mística, mas por motivações práticas, seguir sua vocação religiosa a fim de defender os mais fracos e opor-se às injustiças sociais, baseando-se, assim, no exemplo de Jesus. “Ninguém me mostrou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do santo Evangelho”, revelou em seus escritos. Sua fé o fazia pensar em um Catolicismo renovado, sem hierarquias ou propriedades particulares, baseado apenas no Evangelho
O sonho e os mendigos de Assis
Em 1208, ao reunir os primeiros discípulos, Francisco criou a ordem de frades e instituiu a “Forma di Vitta”, que nada mais era que as regras a serem seguidas pelo grupo religioso. Esse era um passo muito importante para que a irmandade fosse aprovada pelo papa, pois, caso isso não acontecesse, seriam perseguidos até a morte. Contudo, suas normas eram tão rigorosas que o então papa Inocêncio III as considerou impraticáveis e mandou o religioso e seus companheiros pregarem aos porcos. Foi o que fizeram até retornarem junto ao pontífice cobertos de lama. O perseguidor inflexível dos hereges ficou impressionado e mudou de ideia sobre Francisco, especialmente após sonhar com o peregrino e interpretar isso como um sinal de que o religioso seria importante para a igreja. Ele teve sorte se comparado a outros pregadores da mesma época. Apenas uma década antes do nascimento de Francisco, Pedro Valdo foi preso na França, acusado de heresia, por pregar a volta à pobreza ao clero, que, na Idade Média, não queria saber de moderação de gastos
Para, Pedro!
Em 1220, Francisco elegeu um de seus seguidores, Pedro Catani, para ser governador da ordem. Contudo, o homem morreu apenas cinco meses depois. O túmulo rapidamente tornou-se local de peregrinação, e os relatos de milagres começaram a se espalhar pela região, trazendo ainda mais interessados na irmandade. Com um número cada vez maior – e fora de controle – de fiéis, Francisco decidiu rezar para que Pedro parasse de fazer milagres
Estigmas
A ordem criada por Francisco cresceu rapidamente. Com isso, a igreja decidiu intervir e controlar o grupo. Diplomático e mantendo o acordo de obedecer à igreja, o religioso aceitou abandonar um pouco a rigidez que caracterizada a irmandade. Mas isso não agradava o futuro santo, pois não estava de acordo com tal visão espiritual. Opondo-se diversas vezes aos outros irmãos, que defendiam, cada vez mais, a burocratização do grupo, ele resolveu se isolar no monte La Verna, onde passou pela experiência mística da crucificação. Durante um jejum de 40 dias, para se preparar para as festas de São Miguel Arcanjo, em 29 de setembro, testemunhas relataram que um anjo deu ao santo as cinco chagas de Jesus Cristo
Protetor dos animais
Francisco batizou sua irmandade como Ordem dos Frades Menores (OFM). Sua ideia era que eles deveriam se sentir os últimos, mesmo em comparação às menores criaturas. Isso demandava desistirem do próprio “eu” em prol da importância do “outro”. Foi só por meio do religioso que a mensagem de caridade do Evangelho voltou a ser falada, pois, até então, os pobres eram negligenciados pela igreja e pela sociedade. Francisco também defendia que para levar ajuda era preciso, primeiramente, respeitar a cultura local. Além disso, pregava o respeito a todas as criaturas, que para ele eram obras de Deus e a quem chamava de irmãos. “Tinha um amor enorme até pelos vermes, recolhia-os pelo caminho e os colocava em um lugar seguro, para não serem pisados pelos que passavam”, descreveu Tomás de Celano
Criador do presépio
Didático e com voz calma, Francisco usava diversos recursos, como palavras, símbolos e gestos para transmitir os ensinamentos de Jesus Cristo ao povo. Em 1223, na cidade de Greccio, usou a manjedoura e figuras esculpidas para formar um presépio tal qual conhecemos hoje em uma gruta da região. A ideia surgiu durante uma de suas leituras e, diante da cena, o próprio santo celebrou a missa para o povo
Canonizado
Francisco morreu em 3 de outubro de 1226. Dois anos depois, foi declarado santo pelo então papa Gregório 9º e, no dia seguinte, o próprio pontífice colocou a pedra fundamental para erguer a Basílica de São Francisco de Assis, na cidade natal do religioso italiano
Uma Resposta
Muito bom o texto!